Todos os dias, sem exceção, o neotrentino Carlos Alberto Tridapalli pega uma grande chave de metal e caminha alguns passos para atravessar a rua que divide sua casa da capela Santa Ágata, no bairro Besenello, em Nova Trento. Ele é responsável, há anos, por abrir a igrejinha logo nos primeiros raios de sol. Quando a noite espreita cair, ele a fecha. Usa a chave imponente, original, que insiste em sobreviver, para provar que é neste espaço de religiosidade que está guardada uma grande parte da história neotrentina.

Se a chave da capela Santa Ágata está intacta, o mesmo não se pode dizer da sua estrutura física e arquitetônica. Infiltrações no telhado, corrosão de paredes, queda de rebocos, descoloração de pinturas e umidade estão fazendo sangrar o pequeno templo religioso, que tem nas marcas de seu desgaste um pedido de socorro urgente.

Todos os dias esta cave de metal abre a porta da capela aos visitantes. Foto: Lorena Polli.

O espaço sacro começou a ser construído em 1880 e foi elevado à Primeira Matriz de Nova Trento pela lei provincial número 1.074 de quatro de abril de 1884. A capela foi restaurada de forma completa, e pela primeira vez, em 1982, sob coordenação dos padres jesuítas
Orlando e Olmiro Allgayer. Posteriormente, recebeu uma segunda restauração através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, em projeto sob tutela do padre Benno Brod e da então diretoria da capela, presidida por Orivan Orsi.

Além da riqueza arquitetônica, a capela Santa Ágata revela um imenso simbolismo. O quadro da santa que enobrece o altar foi trazido pelos imigrantes de Besenello, uma cidadezinha do atual Trentino, na Itália. É lá que também existe uma capela dedicada a mesma santa, com traços arquitetônicos muitos parecidos, ressalta-se. Ou seja, a comunidade que aqui chegou saindo da Europa procurou recriar parte da própria identidade, parte da própria história que teve de abandonar em busca de uma vida com menos miséria.

Uma das fotos antigas da capela, com data indeterminada, mostra que havia um pedestal com uma cruz em frente ao local. Foto: Arquivo O Trentino.

Ramon Tridapalli, que esteve desde 1988 até pouco tempo atrás à frente de equipes de voluntários – sempre poucos – que se unem para manter o patrimônio, não consegue esconder seu desalento.

“É muito triste ver dia a dia a perda de algo tão significativo, não somente para os neotrentinos, mas também para turistas que vêm a Nova Trento”, ressalta.

Tridapalli, que reside ao lado da capela, acompanha frequentemente o expressivo número de visitantes e peregrinos que entram no local. Fica fácil atestar este fato. Logo na entrada, à direita, há sempre várias velas acesas, além de bilhetes com pedidos, novenas e declarações sobre graças recebidas que se espalham por entre os bancos e imagens de santos.

“É constrangedor saber que muitas destas pessoas percebem que o local tem visíveis sinais de abandono. É também triste”, finaliza Ramon. Quem se importa com o lugarejo religioso tem tanto zelo que protagoniza momentos muito peculiares. Há vizinhos que, ao perceber a aproximação de pessoas, correm para varrer folhas apodrecidas. É o mínimo que podem fazer, afirmam.

Umidade nas paredes e velas acesas: fé que mantém local vivo. Foto: Lorena Polli/O Trentino
Local é ponto de visitação turística muito apreciado. Foto: Vanessa Ruberti/O Trentino

Campanha pode ser solução

O Conselho Pastoral de Comunidade (CPC) que procura manter a capela explica que há cerca de 10 anos eram realizadas duas festas anuais no local. Uma dedicada à Santa Ágata e outra a São Judas Tadeu. Com o tempo, o desinteresse das pessoas por este tipo de evento se instalou de forma cada vez mais forte, e os festejos comunitários deixaram de acontecer.

Para conseguir manter as necessidades básicas como água e energia, voluntários se reúnem esporadicamente para fazer bazares. Vendem roupas novas e usadas a preços simbólicos (R$ 2, R$ 5 etc). Reúnem produtos entre amigos e buscam doação de algumas empresas.

Infiltração nos telhados danifica estrutura interna. Foto: Lorena Polli/O Trentino

Segundo um levantamento prévio feito pelo CPC da capela Santa Ágata, seriam necessários ao menos R$ 15 mil para que fossem implementados os reparos urgentes. Um dos principais problemas é o telhado. Danificado, dá vazão a infiltrações. Uma alternativa ao valor monetário seria a doação de serviços por marceneiros, carpinteiros, pedreiros, pintores, jardineiros, engenheiros, arquitetos e artistas plásticos.

Umidade pode estar danificando pinturas, ação de restauro é urgente. Foto: Lorena Polli/O Trentino

Sociedade se mobiliza

Diante do cenário urgente está emanando uma união de diversos setores em prol da restauração da capela Santa Ágata. A Arquidiocese de Florianópolis já informou que a Paróquia São Virgilio tem liberdade para atuar em projetos de preservação do prédio histórico.

“Se todos se unirem, o milagre acontece”, disse o pároco Roberto Gottardo à reportagem de O Trentino. Ciente da situação do local, o sacerdote declarou que assim que o CPC conseguir fazer um orçamento dos trabalhos de reparos necessários, a paróquia dará todo o apoio que puder para mobilizar a comunidade em torno da causa.

Detalhes da decoração são destaque da capela. Foto: Lorena Polli/O Trentino

Declaração similar foi feita pelo secretário de Turismo e Cultura de Nova Trento, Sálvio Tonini. “Colocaremos toda a estrutura da secretaria à disposição para colaborar na campanha, inclusive nossos espaços publicitários”, afirmou. Há de se destacar que a própria secretaria instalou, há algumas semanas, uma placa de indicação turística no pátio de igrejinha.

Na próximo sábado, dia 10 de novembro, voluntários e membros do CPC da capela vão se unir para promover um novo bazar beneficente. Entras as causas, está a manutenção da igreja e a proteção a animais abandonados. Serão comercializados brinquedos, roupas, acessórios, calçados, tanto novos como usados. Os produtos são para os públicos masculino e feminino, adulto e infantil, e para inverno e verão.

Patrimônio não pode ser modificado

De acordo com a Lei Municipal 1.736/2000, sancionada pelo então prefeito Saul José Rover e que  institui o Código de Zoneamento e uso do solo do município de Nova Trento, a Capela Santa Ágata é considerada um imóvel de valor excepcional e deve ser totalmente conservado ou restaurado em seu estado original, tanto a fachada quanto a arquitetura e detalhes internos. I

Também estão submetidas a esta  legislação o CEIC (Centro de Espiritualidade Imaculada Conceição), a Igreja Matriz São Virgilio e a Igreja Nossa Senhora de Lourdes, em Vigolo. Por este motivo, um grupo de voluntários que reúne arquitetos, engenheiros, historiadores e ativistas culturais de Nova Trento já assinalou que pretende oferecer seus conhecimentos de forma voluntária para também colaborar nos trabalhos de restauro.

Restauro deve manter a estrutura e as cores originais da pintura da capela. Foto: Lorena Polli/O Trentino.

Missa e hino

Toda terça-feira do mês é realizada uma missa na capela Santa Ágata ministrada pelo padre Benno, da Paróquia São Virgillo, às 19h30. A celebração é aberta a qualquer pessoa interessada e sempre é abrilhanta por um pequeno coro comunitário. A propósito, foi esse pequeno grupo que criou um Hino a Santa Ágata.

Virgem mártir, Santa Ágata, de Deus bendita,
Quando tempestades ameaçam nossas vidas,
Fostes forte no martírio por amor a Cristo

A vós recorremos, Santa querida!
Intercedei por nós, Santa querida!
Em nossas provações também triunfemos

Ergamos com fervor, hoje a nossa voz:
Ó Santa Ágata, rogai por nós!

Santa Ágata: vida e morte

O nome Ágata é derivado do latim “agios”, santo, e “theos”, Deus, significando “santa de Deus”. Também conhecida como Santa Águeda, era italiana, nasceu por volta de 230 na Catânia, cidade da Sicília, em uma família nobre e rica. Dotada de grande beleza, a jovem Ágata prometeu manter sua castidade para servir a Deus – vivendo na pobreza e humildade.

Apesar de sua promessa, o governador da Sicília se interessou por ela e a pediu em casamento. A jovem recusou o convite, justificando sua devoção a Deus. Enfurecido, o governador a enviou a uma mulher de má conduta para desviá-la do “caminho”, mas isso não mudou a sua fé. Diante disso, o político a entregou aos carrascos para a morte, pelo crime de ser cristã. Conta-se que Santa Ágata sofreu terríveis torturas. Além de chicotadas e surras, ela foi colocada em chapas de cobre em brasa e mandada novamente à prisão.

De volta ao cárcere, ela recebeu a visão do Apóstolo São Pedro. Isso revitalizou a sua fé, surpreendendo os torturadores. Novamente eles a levaram, desconjuntaram seus ossos, dilaceraram-lhe os seios e arrastaram-na sobre cacos de vidros e carvões em brasa. Após os tormentos, a Santa faleceu enquanto rezava para parar a erupção do vulcão Etna, que começou a eclodir no momento do martírio. Quando ela faleceu, o vulcão silenciou. Ainda hoje, os moradores de Sicília pedem intercessão da santa para a proteção das erupções do vulcão Etna.

Quadro com santa foi trazidos pelos imigrantes que fundaram Nova Trento. Foto: Lorena Polli

 

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