Falar da história de Nova Trento imprime necessariamente na discussão acerca do fenômeno emigratório na Europa. Afinal, o município neotrentino, assim como tantos outros em Santa Catarina, surgiu de um desejo ímpar: o desejo da felicidade. E esta felicidade significava terra, comida, dignidade, e fez europeus largarem o berço natal onde estavam fincadas as suas raízes para tentar a vida em outro país, totalmente desconhecido: o Brasil.
Antes da chegada dos imigrantes, Nova Trento era um vale com grandes montanhas. Floresta densa cortada por ribeirões que se entrelaçavam. Visto do céu, o conjunto de árvores teria o aspecto de um homogêneo tapete verde. Únicos habitantes, índios Xokleng, também chamados Botocudus, além de pássaros, onças, cotias, cobras e tantos outros animais. O único sinal de “civilização” eram os vestígios de uma serraria dirigida por norte-americanos em 1837, a primeira concessão feita a imigrantes pelo governo provincial de Santa Catarina.
Mais tarde, o lugar passou a chamar-se Alferes, região pertencente à colônia Itajaí- Príncipe D. Pedro, Província de Santa Catarina. Era o mês de junho de 1875. Chegavam a esse inexplorado lugar algumas das primeiras famílias que tinham deixado o Trentino. Três anos depois o distrito colonial passou a chamar-se Nova Trento. Da linha Pomerânea (Brusque) até a linha Tirol foi aberta uma picada onde os pais de família foram se estabelecendo. Um precário barracão os esperava. Certamente perguntaram: Onde estão os nossos lotes? Onde está a nossa casa? Não existiam. As promessas do contrato começavam a ruir.
Era preciso aprender a crescer num ambiente desconhecido. Agora estavam sós, enganados, cercados por uma imensidão de verde, de sons estranhos, de escuridão. “Chegaram aqui e colocaram eles dentro do mato. Aí é que eles viram. Às vezes, a gente falava com os velhinhos e a gente perguntava da Europa e corria água dos olhos, coitados! As lágrimas! O que eles passaram, aqueles pobres velhos, as primeiras famílias que vieram”, recorda Marcos Bastiani, 102 anos, que enfrentou as debilidades físicas para contar as lembranças do passado.
Não havia escolha. Os chefes de família adentraram na floresta e construíram as primeiras choupanas. Entrava em cena a solidariedade entre os colonos. Carpinteiros ajudavam na construção dos ranchinhos, mulheres procuravam alimento na floresta, quem tinha armas de fogo caçava animais para comer.
Adaptando-se ao meio hostil, os imigrantes começaram a erigir pequenas capelinhas, chamadas de capitéis, para abrigar os santos que trouxeram. Era a forma inicial de tentar reconstruir a sociedade em que viviam e representava o nascimento de um catolicismo popular. Os monumentos também serviam como referencial geográfico, um sinal de localização entre as árvores e ribeirões. Besenello, Vigolo Vattaro, Lajeado, Lombardia, Vasca e Valsugana são alguns nomes que foram dados às linhas coloniais. Os mesmos nomes das localidades onde moravam no Trentino. Nesta caminhada, os índios, legítimos habitantes, foram dizimados sem piedade. Além dos Trentinos, é preciso lembrar que imigrantes poloneses, alemães e portugueses também cooperaram significativamente para o desenvolvimento de Nova Trento.
Em oito de agosto de 1892, através da Lei Provincial promulgada pelo presidente da província, Tenente Joaquim Machado, Nova Trento tornou-se município. Em 21 de dezembro de 1892, foi criado o Conselho Municipal para dirigir o município até as suas primeiras eleições, que ocorreram somente em 1894 com o voto indireto, elegendo Henrique Boiteux primeiro prefeito. E assim a cidade foi crescendo, criando uma história impossível de ser traduzida em meras linhas, história que possui em seu âmago aquele ardente desejo de felicidade e esperança trazido no coração de cada imigrante.
Qual foi o fato que fez os emigrantes trentinos acreditarem que uma vida melhor encontrava-se longe? O sociólogo italiano Renzo Maria Grosseli, no livro Vencer ou Morrer, resume a resposta a uma única frase: “O expandir-se do sistema capitalista em toda a Europa, entre 1850 e 1870”. O surgimento das novas tecnologias atingiu em cheio o Trentino, que não era uma região industrializada. A economia era auto-suficiente, ou seja, o camponês estava habituado ou obrigado a cultivar o que era necessário ao sustento da família.
A falta de um governo nacional que tomasse medidas políticas adequadas, barreiras alfandegárias, junto com impostos e taxas sobre as produções rurais, pioravam a situação. Devido a uma exploração rudimentar do solo, as terras ficaram esgotadas e as colheitas não rendiam o suficiente para saciar a fome dos camponeses. O capitalismo se arrastava trazendo, através das ferrovias, mercadorias que faziam concorrência com aquelas produzidas nos pobres terrenos do Trentino. O único setor realmente significativo era o da seda. Porém, as folhas de amoreira que serviam de alimento para o chamado bicho-da-seda, foram atingidas por uma doença chamada pebrina, enfraquecendo a produção. O mesmo problema acontecia com as videiras. Qualquer praga que atacasse o cultivo deixava todos numa situação crítica. Tanto que o Instituto Agrário San Michele, atuante até hoje, surgiu nesse período, quando o imperador da Áustria viu a difícil situação do camponês e chegou à conclusão de que a cultura da uva precisava ser selecionada. Numa carta de Vigilio Altodona ao afilhado que estava no Brasil, constata-se a dificuldade no campo. “Nós aqui tivemos um mau ano; a colheita das uvas de bagos compridos foi pequena e só será suficiente para as necessidades da família; sendo assim em toda a Valsugana. Por fim, desgraça sobre desgraça. As terras estão muito caras, as pessoas endividadas e sem crédito”. A carta foi escrita em 29 de setembro de 1879.
Ao encontro da verdadeira liberdade
A população do Trentino acreditava que a verdadeira liberdade encontrava-se na América. “Libertè, égalitè, fraternite, vocês a cavalo e nós a pé”, parodiavam os camponeses as palavras da Revolução Francesa. Os discursos da época eram encarados como ideologias “dos ricos”. A unificação italiana e as revoluções liberais não ecoavam no ouvido dos camponeses. A preocupação maior era com a situação no campo, pois era do campo que dependia a sobrevivência. A população do Trentino estava à frente de dois caminhos. Um era aceitar a urbanização e a conseqüente transformação em força de trabalho, e outro a modernização da própria atividade. A última opção era praticamente impossível para a maioria. A primeira, era submeter-se aos patrões, algo terrível para os trentinos, já que enxergavam nos nobres a razão da própria desgraça. A solução era emigrar.
Os primeiros passos na construção da cidade
Imigrantes cruzaram o Atlântico para fundar uma “Nova Trento”
Motivados pela esperança de encontrar na América um lugar onde as condições de vida fossem mais dignas, milhares de imigrantes deixaram o norte italiano a partir de 1875. Muito deles, na maioria trentinos, tiveram como destino final a então Colônia Itajaí Príncipe D. Pedro.
Naquela época, a região da atual Nova Trento era apenas um vale com grandes montanhas. Únicos habitantes, índios Xokleng, também chamados botocudus, além de pássaros, onças, cotias, cobras e tantos outros animais.
Mais tarde, o lugar passou a chamar-se Alferes. Três anos depois, o distrito colonial passou a se denominar Nova Trento. Os imigrantes precisaram aprender a crescer num ambiente desconhecido. Os chefes de família adentraram na floresta e construíram as primeiras choupanas. Adaptando-se ao meio hostil, os imigrantes começaram a erigir pequenas capelinhas, chamadas de capitéis, para abrigar os santos que trouxeram. Era a forma inicial de tentar reconstruir a sociedade em que viviam e representava o nascimento de um catolicismo popular. Além dos Trentinos, é preciso lembrar que imigrantes poloneses, alemães e portugueses também cooperaram significativamente para o desenvolvimento de Nova Trento.E assim a cidade foi crescendo, criando uma história impossível de ser traduzida em meras linhas, história que possui em seu âmago aquele ardente desejo de felicidade e esperança trazido no coração de cada imigrante.