Juliano Martins Mazzola, especial para “O Trentino”

Em 20 de outubro passado, chegou a Nova Trento o escritor Renzo Maria Grosselli, com o objetivo de reeditar sua obra “Vencer ou Morrer- camponeses trentinos, vênetos e lombardos nas florestas do Brasil”. Ficou hospedado em minha casa no Centro de Nova Trento até a última terça-feira, 19. Nesse tempo fiquei acompanhando-o nas suas movimentações para a realização desta importante reedição, passados quase quarenta anos. (1987).

 

 

 

A propósito da chegada e agora retorno à Itália de Renzo Grosselli, quero relembrar a primeira vez que ele esteve em terras neotrentinas, o que aconteceu em meados do anos de 1981, acompanhado por outros três amigos de Trento, Itália. Sucedeu que eles estavam em uma viagem pelas Américas do Norte, Central e do Sul. Haviam alugado uma espécie de furgão e com  ele viajaram de um lado a outro e, em um dado momento da aventura, em Santiago, capital do Chile,  Grosselli encontrou um outro trentino que lhe disse: “Vá a Nova Trento, no sul do Brasil!” Eu soube que lá tem até negros que falam o nosso dialeto!”.

Essas palavras ecoaram fundo na alma de Grosselli, que apesar de não ser católico e, portanto, não crer em alma alguma, ficou sensibilizado. Contra a vontade dos demais amigos de seu grupo de viagem, partiu em direção ao sul do Brasil e chegou a Florianópolis. De  lá foram os quatro para  Blumenau, depois Itajaí e por fim Tijucas!

Provavelmente viajando com a empresa de ônibus Reunidas,  chegaram finalmente em  Nova Trento. Desceram  no ponto de parada que na época era o Hotel Viviani, de propriedade de Natalino Giacomelli.

Ali desembarcaram cheios de bagagens e muito cansados em virtude da exaustiva viagem para chegar a Nova Trento. Renzo desceu do ônibus e entrou no bar e hotel, que mais parecia uma pensão muito rudimentar, segundo ele mesmo, se comparada aos padrões de Trento à época. Mas era a única opção e o dinheiro também era pouco.

No fundo do salão umas quatro ou cinco pessoas jogavam cartas e Renzo percebeu tratar-se do “tresette”, jogado em Trento. Grosselli se aproximou lentamente quando ouve um dos jogadores pronunciar “orcodio!”. Não resistiu e dirigindo-se para o grupo indagou: “Come  parlè voialtri qui?”  E um dos jogadores respondeu um pouco irritado: “Parlen come te parli ti”!

Nesse momento Renzo arrepiou o pelo e percebeu que se tratavam de descendentes dos velhos tiroleses emigrados no final do século 19  para o Brasil. Entretanto ele jamais imaginara encontrá-los nos confins do Brasil, há mais de 11 mil quilômetros de suas terras de origem, falando a sua língua materna, o dialeto trentino!

Foi tomado por grande emoção. Em seguida pediu ao proprietário do estabelecimento, Natalino Giacomelli, quatro copos de vinho, provavelmente pensando tratar-se daqueles comparáveis aos de Trento. Natalino, muito previdente retrucou, sugerindo que primeiro provassem um e, se gostassem, serviria mais. Tratava-se do nosso vinho de uvas americanas, provavelmente da variedade Isabel, que resultava em um produto de pouquíssima qualidade para os padrões italianos de consumo da bebida de Baco.

Bebericaram um pouco e ficou por isso mesmo. Recolheram-se e no dia seguinte Renzo foi apresentado ao Sr. Aldo Bastiani, que possuía uma pequena loja de móveis ao lado do hotel. Foi Aldo que se prontificou a levar Renzo para os antigos cemitérios do interior de Nova Trento para registros fotográficos das lápides com os nomes dos nossos antepassados.

Foi assim, exatamente assim que nasceu em Renzo Maria Grosselli a grande paixão pela nossa história! Daquele dia em diante dedicaria toda a sua energia para reconstruir a história da grande imigração trentina em direção às Américas, de modo especial para o Brasil.

No ano seguinte ele regressou a Nova Trento com sua esposa, Anna Rosa Giannoti, e a filha Serena , de apenas um ano, para mais uma aventura,  desta vez com o firme propósito de escrever um livro. Foi  novamente Aldo Bastiani quem providenciou um local para morar, um pequeno rancho nos fundos da propriedade da dona Teresa Dalri Cadorin, em uma estreita transversal da João Bayer Sobrinho. Alguns móveis usados, uma cama de casal, o bercinho de Serena,  feito de cordas e tubos de metal, trazidos na bagagem de Trento.

Assim começou a intensa pesquisa de Renzo Maria Grosselli, viajando com Aldo Bastiani de arquivo em arquivo, em busca de informações oficiais sobre a chegada dos tiroleses e italianos às terras do Sul do Brasil. Assim nasceu a obra “Vincere o Morire – Contadini Trentini (veneti e lombardi) nelle foreste brasiliane”. Sua pesquisa foi totalmente autofinanciada e uma vez tomando conhecimento do trabalho de grande relevância por ele empreendido, a Província de Trento editou a obra em 1986.

No ano seguinte o livro foi traduzido para a língua portuguesa pela editora da Universidade Federal de Santa Catarina. Grosselli não parou mais de pesquisar e escrever sobre emigração desde então. Foram muitos títulos os que seguiram, dos quais destaco “Colonie Imperiali Nella Terra del Caffè”, “Dove Cresce l’Araucaria”, “ Da Schiavi Bianchi a Coloni” e “Noi Tirolesi, Sudditi felici di Dom Pedro II”, dentre outros.

E , agora, quase 40 anos após a edição em português de “Vencer ou Morrer”, eis que ele está de volta a Nova Trento para a segunda reedição de sua obra-prima histórica.

Deixe um comentário

Por favor, digite seu comentário
Por favor, digite seu nome