Escrever sobre a história da comunidade de São Valentim se tornou muito facilitado, graças ao inteligente e interessante relatório feito pela professora Joseany Abelino, a “Jose”, dedicada agente de pastoral em São Valentim, e que fez sua pesquisa colhendo os depoimentos de várias pessoas idosas, cujos nomes ela nos deixou: Delfina Abelino, Rosa Eccher Cadore, Antônio Eccher, José Perotoni, Cerilo Dalprá, Terezinha Montibeller Dell’Agnollo e José Poli. Obrigado, Jose, por sua dedicação!

Jose começa seu relato advertindo que, primeiramente, a comunidade se chamava “Bratcho”, provavelmente do italiano “Braccio”, Braço, o que faz referência ao Rio do Braço, que atravessa toda a comunidade de oeste para leste, passando bem em frente à igreja de São Valentim.

Teriam sido os Eccher os pioneiros, juntando-se logo outras famílias. Vindos da Itália, tiveram que permanecer 3 anos em Brusque, até conseguirem vir, pelas picadas, para tomar posse de seus lotes. Eram as famílias de José Eccher, Antônio Frizanco, Augusto Eccher, Alberto Dalprá, Rosa Cadore, Augusto Pereira, Mauro da Silva, Germano Dietrich, Guirino Poli, André de Souza, Sebastião Dell’Agnollo e Manoel Virtuoso. Este último era gaiteiro e animava as festinhas e “domingueiras”, onde se reuniam as famílias aos domingos à tarde. Eram festinhas que “terminavam sempre antes do anoitecer”, escreve Jose.

Parteira do lugar era Maria Eccher, casada com Alexandre Abelino. Para trabalhos de carpintaria, recorriam à destreza de Alberto Dalprá. Manoel Virtuoso é quem pagou a música na inauguração da igreja, mas forte trovoada se abateu sobre São Valentim nesse dia, prejudicando a solenidade. O que não podiam produzir em suas roças e no trabalho caseiro, era comprado, melhor: trocado, por produtos da lavoura e da criação de animais, na casa comercial de Luiz Tridapalli, no Baixo Salto, ou mesmo no comercio de Hipólito Boiteux, em Nova Trento.

Essa história continua no próximo artigo. Todos esses dados sobre os inícios de São Valentim vale a pena que fiquem na memória dos descendentes daqueles pioneiros. Nós os temos hoje, como disse acima, graças à pesquisa de Joseany Abelino.

A igreja e a escola

Continuo escrevendo sobre a história de São Valentim sempre seguindo as informações que, como disse no primeiro artigo, a professora Jose nos legou num precioso relato, resultado de uma pesquisa feita entre pessoas mais idosas da comunidade. No atual artigo, destaco mais os aspectos religiosos de São Valentim.

A comunidade cristã de São Valentim teve início com uma pequena igreja de madeira. Perto dela, no cemitério, se erguia uma torre com sino, onde hoje se encontra a capelinha do cemitério. É o mesmo sino que hoje está na igreja de São Valentim. Todas as famílias que se instalaram em São Valentim eram católicas, como o são ainda hoje seus descendentes. Foi o Pe. José Da Poian que escolheu como patrono São Valentim, e foi ele quem adquiriu a estátua do santo, que está na igreja ainda hoje.

Anos depois, informa Jose, “a comunidade sentiu necessidade de ter mais um santo no altar e escolheram São Roque.” As famílias de Sebastião Abelino, José João Perotoni e Augusto Pereira plantaram e colheram uma roça de mandioca e pagaram a imagem de São Roque. Para a instalação da imagem na igreja uma grande festa foi preparada. A estátua tinha ficado primeiro na casa de Germano Dalprá. De lá, ela foi trazida em procissão para a igreja. Anos mais tarde, a Irmã Alma e a Irmã Páscoa plantaram uma roça de amendoim e com o dinheiro da colheita compraram a imagem de Nossa Senhora da Glória, que também ainda hoje está no altar, alias um belo e bem cuidado altar de madeira com sacrário.

Por aqueles tempos, havia 50 famílias em São Valentim. Hoje, são perto de 80. Várias famílias saíram de lá, indo morar em cidades como Brusque, Joinville e outras, e mesmo em outros Estados. As famílias de então tinham muitos filhos.

A primeira escola em São Valentim era de madeira e foi iniciativa dos irmãos José, Cerilo e Augusto Eccher. José foi também quem primeiro ensinou na escola, dando aulas à noite, à luz de lâmpadas de querosene. Depois, vieram Irmãs Catequistas Franciscanas, que moraram vários anos em São Valentim e dirigiram a escola, ao lado da igreja. Várias moças de São Valentim se tornaram religiosas: Ana Eccher, Celestina Eccher e Emília Cadore.

Com estradas difíceis, não havia muitas vezes missa na comunidade. Quando o padre vinha, era tocado o sino para o povo saber e vir para o terço à noite. O padre dormia na sacristia. No outro dia, bem cedo, pelas 6 horas, havia missa. Antes da missa, confissões. Por isso, famílias que moravam mais longe madrugavam: “levantavam por volta de uma hora da manhã”, relata Jose. O padre tomava café ou jantava numa casa mais próxima. Jose relata que o padre “era recebido como uma visita ilustríssima.”

A atual igreja, ao lado do cemitério, é uma bela e sólida construção, com torre, coro e sacristia e um alto muro de proteção, onde antes havia uma escadaria que descia da igreja até a estrada. Dentre os que ajudaram a construir a igreja e os muros estão Valentim e Sebastião Abelino, José Pereira, José Dalprá e outros.

A memória das famílias

Na memória das famílias de São Valentim ficaram algumas histórias de antanho, isto é, do tempo dos antigos moradores. É interessante que tais histórias se transmitam de pais para filhos. “Povo sem memória é povo sem história”, diz o provérbio. Joseany, a “Jose” de que falei nos dois artigos anteriores, nos conservou essas histórias, no relato que escreveu. Algumas são histórias tristes, outras, alegres.

Jose conta que quando havia um velório em casas mais distantes, as pessoas chegavam ao local de carona na carroça do seu João Eccher. Na hora em que saíam para o enterro, o caixão e as flores eram trazidas na carroça e as pessoas vinham a pé no cortejo fúnebre. Anos mais tarde, João Eccher comprou um caminhão e então tudo melhorou. Inclusive, ele transportava pessoas ao centro da cidade, como foi, por exemplo, no dia em que a imagem de Nossa Senhora de Fátima veio a Nova Trento.

O dízimo, antigamente, era pago com socas de milho, entregues ao padre, que com elas tratava os cavalos, na época os únicos “meios de transporte”.

Quando se realizava uma festa na igreja, sempre havia procissão. Os homens cortavam folhas de palmeiras para enfeitar o pátio e às mulheres tocava alegrar o ambiente enfeitando tudo com flores. Nove dias antes começava a novena, onde se faziam preces ao santo e se realizava uma confraternização. Na festa, as bebidas servidas eram vinho de laranja, vinho de uva, cachaça, cerveja doce e “consertada”, tudo de fabricação caseira.

A igreja de São Valentim tinha um poço artesiano, conta Jose. Tinha 16 metros de fundura. Ninguém tinha coragem de descer para fazer, de tempos em tempos, a limpeza. Só uma menina, chamada Augustina Cadore, tinha essa coragem. Amarrada a uma corda, ela era descida ao fundo do poço e o limpava.

Outra pequena e engraçada história que se conta é sobre o Pe. José Rohde, de quem, aliás, se contam, entre os jesuítas da Província, muitos casos folclóricos.  Ele foi vigário paroquial em Nova Trento de 1963 a 1966. O que em São Valentim se lembra dele, até hoje, é que, em certa ocasião, ele mandou que se fizesse uma estrada que, por matos e morros, levava do Majorzinho até o Molha. Esse caminho foi usado na inauguração e depois praticamente nunca mais. Ficou esquecido.

Duas histórias tristes

Encerro meus artigos sobre a Comunidade de São Valentim, contando duas histórias tristes, que até hoje são lembradas por moradores mais idosos de São Valentim. Continuo seguindo o relato da professora Joseany.

Primeira história.
Houve tempo em que existia uma rivalidade muito grande e ódio entre famílias. Ficaram bastante na memória de moradores mais antigos as brigas entre um tal de “Barbeta” e membros da família Maçaneiro. Certo dia, o Barbeta tinha ido a Nova Trento pedir um padre para atender um doente em Pinheiral. Era justamente um dia em que havia uma festa de igreja em São Valentim. Barbeta interrompeu sua viagem a Pinheiral, para descansar e se aproximou do local da festa. Lá se encontravam os Maçaneiro. Começou a discussão entre eles. Ameaçado, Barbeta foi se esconder na igreja, atrás do altar. O Maçaneiro o descobriu, avançou sobre ele para matá-lo e lhe desferiu um golpe na cabeça com uma cruz. Disso resultou um corte muito grande e o Barbeta perdeu muito sangue, que manchou o chão da igreja. Ele, para fugir dos Maçaneiro, se lançou no Rio do Braço, que passa em frente à Igreja, e o atravessou a nado. O bispo interditou a igreja por seis meses. Diz-se que uns da família Maçaneiro foram amaldiçoados pelo padre, e não mais tiveram vida tranqüila.

Outra história triste.
Um tal de Jerônimo de Souza, pai de André de Souza, tinha um engenho de açúcar e grandes plantações de cana, onde empregava escravos, aos quais tratavam com muita severidade. (Anos depois, a propriedade passou para a família Cadore.) Os escravos dormiam em ranchos somente com palhas no chão. Eram tratados realmente como animais. Até se contava que muitos escravos, como punição, foram queimados nos fornos dos engenhos, ou enquanto dormiam nos galpões. Outros eram amarados a cavalos e arrastados por eles como castigo. Um, ou vários negros, certo dia se deitaram no canavial para descansar do trabalho, ou para dormir ou para se esconder. O Souza mandou pôr fogo no canavial e eles morreram queimados.

Mas o fim de André de Souza foi trágico. Acabou ficando com poucas terras e sem muito dinheiro. E, envelhecendo, ficou também muito doente. Sentindo que a morte estava chegando, chamou a mulher e lhe indicou o baú onde havia dinheiro para pagar o caixão e o enterro. Um dia, numa hora em que a mulher se ausentara do quarto, André quis acender seu cachimbo na lâmpada de querosene. Com mão trêmula, acabou derrubando a lâmpada sobre a cama. Esta pegou fogo e André morreu queimado. Naturalmente, o povo comentou: Quem queimou escravos, morreu queimado também. Uma descendente dos escravos ficou morando por mais anos em São Valentim. Era conhecida como a “Velha Jaca”, que ficou idosa e nos últimos tempos de sua vida já não podia andar.

 

 

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